Várias têm sido
as solicitações que temos recebido sobre o cancelamento de marcas em Moçambique.
Tais solicitações radicam de, entre outros, duas situações na quais os proprietários
de marcas se vêm, amiúde, envolvidos. Primeiro, nos casos em que a sua marca
foi registada por outrem e, em devido tempo, não foi apresentada a devida oposição
e, segundo, nos casos em que um cliente pretende registar uma marca já titulada
por um terceiro que dela não faz uso. Assim, julgamos importante clarificar a
disciplina jurídica do cancelamento de marcas no país.
Cancelamento pelo não uso
São frequentes e
cada vez mais insistentes as questões relativas ao cancelamento pela não utilização
da marca. Entretanto, importa clarificar que o não uso não é um fundamento
legal para requerer o cancelamento de uma marca em Moçambique. Parte considerável
do equívoco nesta questão tem as suas raízes no primeiro código da propriedade
industrial do país. Com o efeito, o Decreto nº 18/1999, de 4 de Maio, que
aprovava aquele código prescrevia no seu artigo 109, nº 3, que "o
cancelamento pode ainda ser fundamentado na não utilização da marca por um
período ininterrupto de pelo menos três anos". O nº 4 do mesmo
artigo aditava um esclarecimento sobre as circunstâncias nais quais o não uso
não deveria ser invocado ("será, no entanto, indeferido o pedido
de cancelamento nos casos em que se prove que a não utilização não foi
intencional nem devida a nenhum acto exclusivamente imputável ao titular da
marca").
Esta norma
vigorou até ao ano de 2006, vindo a ser revogada com a entrada em vigor do código
aprovado pelo Decreto nº 4/2006, de 12 de Abril. Este código abandonou o
cancelamento pelo não uso da marca, acontecendo o mesmo com o novo código
aprovado pelo Decreto nº 47/2015, de 31 de Dezembro. Por conseguinte,
actulmente não é possivel solicitar o cancelamento de um registo de marca por
causa do não uso. Todavia, o cancelamento pode ser requerido nos casos em que o
titular do registo não depositou junto do Instituto da Propriedade Industrial (IPI)
a devida Declaração de Intenção de Uso (DIU).
Esta matéria é
regulada pelos artigos 138 (para os registos nacionais) e 162 (para os registos
internacionais). Em relação aos registos nacionais, o nº 1 do artigo 138
estabelece que a DIU deve ser apresentada ao IPI de cinco em cinco anos a
contar da data do registo ou de renovação. Sobre os efeitos da não apresentação
da DIU, o nº 3 do mesmo artigo é suficientemente claro: "as marcas para as quais
essa declaração não tiver sido apresentada não são oponíveis a terceiros, sendo
declarada a caducidade do respectivo registo pelo Director Geral a requerimento
de qualquer interessado, ou quando se verifique prejuízo de direitos de
terceiros no momento da concessão de outros registos". No que diz
respeito aos registos internacionais, o nº 2 do artigo 162 prescreve que a DIU é
devida de cinco em cinco anos a contar da data do registo internacional. O nº 3
do mesmo artigo clarifica que a data do registo internacional é a data da
inscrição do pedido de registo internacional na secretaria da WIPO. Sobre os prazos para apresentar a DIU
referente aos registos internacionais, o Director Geral do IPI publicou um
aviso nos boletins da propriedade industrial nºs 92, 93, 94 e 95, através do
qual esclarece que "com vista a garantir a uniformização
das diferentes datas das marcas internacionais, o IPI torna público que tomará como
data de base para a contagem do prazo de apresentação de DIU’s de marcas
internacionais, a data da notificação do pedido de registo a Moçambique (“date
de notification”/”date of notification”)". Em relação a esta matéria, nós somos de opinião que deve
prevalecer a norma inserta no código, pois este foi aprovado por uma Lei (no
caso, Decreto nº 47/2015, de 31 de Dezembro) e ela não deve ser alterada com
base em um simples aviso do DG do IPI. Por remissão do artigo 162, é
aplicável aos registos internacionais a disposição aplicável aos registos
nacionais sobre os efeitos da não apresentação da DIU, como acima descritos.
Portanto, o
cancelamento pode ser solicitando com o fundamento da não apresentação da DIU e
não pelo não uso da marca.
O procedimento
O interessado no
cancelamento de uma marca deve conduzir uma pesquisa formal do estágio da marca
para aferir/ confirmar se a DIU foi depositada ou não. Após a recepção dos
resultados confirmando a falta da DIU, deve, então, submeter o requerimento de
cancelamento anexando os resultados da pesquisa (é obrigatória a apresentação
deste documento comprovativo). O DG do IPI decide em conformidade (regra geral
em cerca de trinta dias), notifica as partes interessadas e manda publicar a
decisão no boletim da propriedade industrial.
Cancelamento pela via judicial
O código oferece
duas opções para o cancelamento pela via judicial. Elas tomam a forma de
recurso contencioso, que são governados pela Lei que Regula os Processos de
Jurisdição Administrativa, Lei nº 7/2014, de 28 de fevereiro. No seu artigo 3,
alínea d), ela estabelece que a jurisdição administrativa tem por objecto
dirimir os conflitos entre interesses públicos e privados. Eis as opções:
a)
Anulabilidade
Nos casos em que
o IPI decidiu pelo registo de uma marca e há uma terceira parte interessada e
que não concorda com tal registo, o código oferece a possibilidade desse
interessado requerer junto do tribunal a anulação do registo em causa. A
anulabilidade deve ser requerida ao Tribunal Administrativo, pois este é que
tem a competência para conhecer e apreciar os actos praticados pelos órgãos do
Estado (no caso o IPI), e que recaem sobre os direitos e interesses dos
particulares, como prevê a Lei do Procedimento Administrativo, Lei nº 14/2011,
de 10 de Agosto.
A anulabilidade
deve ser requerida no prazo de noventa dias a contar da data da publicação do
despacho de concessão no boletim da propriedade industrial. Tem legitimidade
para requerer a anulabilidade aquele que provar que a marca lhe pertence ou por
aquele cujo direito fundado em prioridade, tenha sido preterido no acto da
concessão da marca, como estabelece o artigo 24 do código.
b)
Nulidade
A declaração de
nulidade deve ser requerida, igualmente, ao Tribunal Administrativo e pode ser
requerida a todo o tempo, como prescreve o artigo 25 do código. O fundamento
legal para requerer a declaração de nulidade tem a ver, essencialmente, com o
incumprimento de algumas formalidades na concessão de uma marca. Assim, a
nulidade pode ter origem no facto do produto ou serviço a ser assinalado pela
marca ser insusceptível de protecção; no facto de terem sido violadas as regras
de segurança, ordem e saúde públicas; no facto da marca registada constituír
uma ofensa à moral e aos usos e bons costumes; no facto da concessão da marca
não ter obedicido a uma formalidade imprescendivel do processo de registo.
O procedimento
A parte
interessada deve submeter ao tribunal Administrativo a sua petição com a
fundamentação e provas de que é titular do direito da marca e/ ou que tem um
fundado interesse na marca em causa. O tribunal notifica ao DG do IPI para
responder no prazo de vinte dias, nos termos do artigo 64, da Lei que regula os
processos de jurisdicao administrativa, Lei nº 7/2014, de 28 de fevereiro. Uma
vez junta a resposta do DG do IPI, o tribunal cita a parte contra-interessada
(aquele a quem o provimento do recurso possa afectar directamente) para
contestar no prazo de vinte dias. Em caso de necessidade, o tribunal pode
notificar a todas as partes envolvidas para juntarem alegações facultativas.
Munido do
manancial de informação e provas facultadas pelas partes envolvidas, o tribunal
decide em conformidade. A decisao é final e dela não cabe recurso.
Importa mencionar
que o processo de cancelamento judicial da marca é bastante moroso e longo. A
experiência mostra que há casos que aguardam pelo desfecho há mais de dez
anos!! Como facilmente se percebe, esta demora é prejudicial aos interesses das
partes envolvidas, que ficam anos a fio sem poderem realizar os seus negócios
por não saberem da sorte que recairá sobre as suas marcas. Ou seja, a lentidão
do tribunal em decidir sobre os processos resulta numa clara insegurança
jurídica, o que afecta sobremaneira os negócios das partes envolvidas.
Conclusão
Como ficou acima
demonstrado, o pocesso de cancelamento do registo de marca não é de todo linear
e de fácil execução. Por isso, é recomendável que todo aquele com interesse no
registo de marcas em Moçambique tenha um eficiente e eficaz "watching
service" para fácil e atempadamente detectar potenciais casos de violação
dos seus direitos de propriedade industrial, in casu, das suas marcas, e assim
poder agir em tempo útil e oportuno, apresentando a competente oposição aos
pedidos de registo de marca em causa. Para o efeito, importa notar que todos os
pedidos de registo são publicados no boletim da propriedade industrial,
correndo a partir da data da publicação, o prazo de trinta dias (prorrogável
por mais sessenta dias) para apresentar a oposição. Quer dizer, melhor do que
requerer o cancelamento de um registo de marca, é jogar na antecipação, evitando
que quaisquer marca ofensiva chegue a ser registada, sequer.
Os processos de
oposição e o do pedido de cancelamento for falta de DIU têm a vantagem de serem
analisados e decidos por técnicos com conhecimentos sólidos em matéria de
propriedade industrial, ao contrário dos processos de cancelamento por via
judicial, que são analisados e decidos por pessoas sem o exigível preparo na
matéria, com todos os riscos que daí podem advir.