"As
empresas nacionais devem apostar na certificação da qualidade dos seus produtos
e serviços bem como garantir a regularidade e fiabilidade do seu fornecimento,
porque só assim é que podem competir no mercado internacional".
As palavras
acima são do Presidente da República e foram proferidas durante o seu discurso
de abertura da Facim 2019, a 25 de Agosto de 2019. O mesmo discurso sobre a
necessidade de certificação dos produtos nacionais veio a ser repetido pelo
Primeiro Ministro no encerramento do mesmo evento.
Na verdade não há
nada de novo no discurso dos dois dirigentes, mas o mesmo vale pelo
reconhecimento ao mais alto nível do que deve ser feito para impulsionar a exportação
da produção nacional.
Já em Junho do
corrente ano, num encontro dedicado à exportação de produtos agrícolas de
Moçambique para os países do Médio Oriente, organizado pela Câmara de Comércio
de Dubai, o Director-geral da Agência de Promoção de Investimentos e
Exportações (APIEX), Lourenço Sambo, disse que os produtos agrícolas de
Moçambique não estão a ser elegíveis para exportação por falta de capacidade
para a sua certificação dentro do país. Como se a falta de certificação não fosse grave per si, ele revelou a ocorrência de um
outro problema de maior gravidade, a perda da titularidade dos produtos. Ei-lo
ipsis verbis: “Estamos agora com um
dilema: estamos a produzir a macadâmia em Sussundenga, em Niassa e aqui em
Maputo, mas não temos capacidade de certificação. Sussundenga o que faz é levar
o produto para a África do Sul, lá é certificado e é considerado Made in South Africa. Então é
isso tudo que temos de olhar”.[1]
Uma situação idêntica
a equipa de colaboradores da BAIPA encontrou em 2017 junto dos agricultores de
Boane. Numa visita de trabalho à Associação dos Regantes de Mafuiane, foram
relatados casos de hortícolas que são vendidas a supermercados na Cidade da Matola
sem nenhuma identificação (marca, produtor, origem) e que posteriormente são higienizados
e embalados com rótulos com marca e indicação de origem sul africana[2].
Sobre a certificação
A certificação
de produtos é a atestação dada por um Organismo de Certificação, com base numa
decisão decorrente de uma análise, que comprova que a conformidade de um
produto com os requisitos especificados foi demonstrada. A certificação consiste
na emissão de Marcas e Certificados de Conformidade para as empresas,
consultórios e profissionais que demonstram que um produto, serviço, ou sistema
de gestão atende às Normas aplicáveis, sejam nacionais, estrangeiras ou
internacionais.
Vantagens da
certificação de produtos
A certificação
de produtos permite aos fabricantes demonstrarem de uma forma imparcial e
credível a qualidade, a fiabilidade, a segurança e as performances dos seus
produtos na medida em que melhora a aceitação do mercado; Faz a diferença face
aos concorrentes; Aumenta a competitividade através da redução dos custos da
não qualidade; Facilita o acesso a novos mercados; Permite evidenciar o
cumprimento de requisitos regulamentares; Apoia os utilizadores e os
consumidores nas suas decisões de compra.
Em Moçambique o
organismo responsável pela certificação é o Instituto Nacional de Normalização
e Qualidade (INNOQ). O INNOQ efectua a certificação de produtos de acordo com
qualquer um dos vários sistemas de certificação definidos. As marcas de certificação
do INNOQ são ISO 9001 (referente ao sistema de gestão de qualidade), ISO 14001
(referente ao sistema de gestão ambiental) e OHSAS 18001 (referente ao sistema
de gestão de saúde e segurança ocupacional)[3].
Entretanto, até
ao momento o INNOQ não faz a certificação de produtos agrícolas. No dia 14 de
Maio de 2018, em acto inserido no lançamento em Maputo da estratégia nacional
para que empresas moçambicanas usufruam da lei norte-americana que oferece
tratamento preferencial aduaneiro no acesso ao seu mercado, o Director Geral do
INNOQ afirmou: “Para poder acreditar
produtos alimentares o INNOQ precisa de ser certificado em ISO 17025 e ainda
não está. O INNOQ neste momento certifica pelo ISO 9001 e é reconhecido
internacionalmente, mas o que está em causa aqui é a certificação de produtos.
Tratando-se de agricultura não temos nenhum laboratório que faça a testagem de
pesticidas”[4].
Em contacto telefónico
efectuado no dia 3 de Setembro de 2019, o Departamento de Certificação
confirmou-nos que o INNOQ ainda não faz a certificação de produtos agrícolas. Assim
sendo, é legitima e perturbante a inquietação: como podem os responsáveis do país
instarem os produtores nacionais a certificarem os seus produtos se a instituição
governamental responsável por essa certificação não há faz? Ou seja, cabe a
esses responsáveis apetrecharem o INNOQ com as condições (leia-se equipamentos)
para a certificação de produtos e depois disso exigirem que os produtos adiram
ao processo. De contrario, assim como estão as coisas agora, diante dos apelos
para certificarem os seus produtos, os produtores poderiam retorquir com toda
propriedade "certificar aonde?".
O apoio
que vem da propriedade industrial
Propriedade
industrial é o conjunto de direitos que compreende as marcas, os logotipos, as
patentes de invenção, os modelos de utilidade, os desenhos industriais, os
nomes comerciais e as insígnias de estabelecimentos, as indicações geográficas,
as denominações de origem e as recompensas[5].
Ela é importante na medida em que constitui um dos alicerces para a construção
de economias competitivas, já que a sua protecção jurídica faz com que os
ganhos económicos revertam para os reais criadores e ou produtores. Com efeito,
a propriedade industrial constitui uma forma segura pela qual empresas,
instituições de pesquisa e universidades podem ter a garantia de propriedade
das suas criações intelectuais, serviços e produtos e garantir o direito de uso
exclusivo sobre elas. Deste modo evitam que outras empresas se apropriem de
produtos alheios, como nos casos acima relatados.
Para que esses
direitos sejam assegurados, é imperioso que se proceda ao seu registo junto do
Instituto da Propriedade Industrial, entidade governamental que tem a competência
para a gestão do sistema da propriedade industrial e, por conseguinte, a
autoridade para atribuir tais direitos[6].
No caso dos
produtos agrícolas que constitui o cerne deste artigo, o direito mais
apropriado é a marca. Uma marca é um sinal capaz de distinguir os produtos ou
serviços de uma empresa daqueles de outras empresas. Ela pode ser uma palavra
ou uma combinação de palavras, letras e números. Também pode consistir em
desenhos, símbolos, características tridimensionais, como a forma e a embalagem
dos produtos, desde que tenham características distintivas. No caso de
produtores organizados em associações ou entidades similares, é aconselhável a
variante marca de certificação, que é o nome ou sinal que identifica os
produtos e serviços que, embora utilizados por entidades diferentes, sob a fiscalização
do titular, garantem as características ou as qualidades particulares dos
produtos ou serviços em que é utilizada.
Em Moçambique,
pode-se citar o exemplo da marca "Do Vale do Zambeze", pertença do
Vale do Zambeze. Os produtos do Vale do Zambeze passaram a ostentar esta marca
desde 2017, numa iniciativa que pretende agregar valor a esses produtos e
atestar a origem e qualidade dos mesmos. A marca em causa é a que a seguir se reproduz:
É importante que
os produtores, empresas ou associações de produtores percebam que o registo das
suas marcas fará com que eles sejam conhecidos como os donos dos produtos e,
desse modo, podem agir contra todos aqueles que se apropriam ilicitamente dos
seus produtos e os apresentam como se fossem seus, num clara actuação de má-fé,
criando-lhes assim sérios prejuízos causados.
Outros direitos
a que os produtores podem recorrer para identificar e proteger os seus produtos
são a indicação geográfica e a denominação de origem.
A Indicação
Geográfica é o nome de uma região, de um local ou país usado para identificar a
origem de um determinado produto ou serviço, quando o local tenha se tornado
conhecido, ou quando certa característica ou qualidade desse produto ou serviço
se deva à sua origem geográfica. Por seu turno, a Denominação de Origem é o
nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que
designa um produto cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou
essencialmente ao meio geográfico, incluídos factores naturais e humanos. A protecção
concedida por uma Indicação Geográfica ou Denominação de Origem, além de
preservar as tradições locais, possui o potencial de diferenciar produtos,
melhorar o acesso ao mercado e promover o desenvolvimento regional, gerando
efeitos para produtores e consumidores. Tanto uma como outra agregam valor aos
produtos tradicionais de diversas regiões valorizando e protegendo as
características do território ou da maneira de fazer.
Até ao momento
em Moçambique foi registada apenas uma indicação geográfica, o Cabrito de Tete,
pertença da Associação para a Protecção e Promoção do Cabrito de Tete. Concorreram
para esse registo as características exclusivas do cabrito de Tete que podem
ser descritas como "de sabor adocicado, suculento e prolongado, aroma suave,
textura macia, baixo nível calórico e de colesterol", entre outras. Estas
características devem-se as condições climatéricas onde é criado o cabrito,
região onde predomina o clima tropical seco e com pastagem natural, constituída
essencialmente por capim seco, maçanica, malambe e canhú[7].
É inegável que a
certificação de produtos é um activo importante na valorização dos produtos
quer para o consumo interno, quer para a exportação para outros países onde as exigências
no que tange a qualidade dos produtos são mais rigorosas. Assim, o governo deve
a curto prazo apetrechar devidamente o INNOQ para que inicie o mais breve possível
a certificação de produtos agrícolas.
Concomitante,
espera-se que o IPI, entanto que responsável pela administração do sistema da
propriedade industrial, continue e amplie os seus esforços na promoção da
propriedade industrial no país, mormente na consciencialização dos produtores
sobre as vantagens do registo das marcas dos seus produtos e como isso pode
influir no alcance de mercados além fronteiras.
[1] In Jornal O país, edição de 10 de
Junho de 2019, disponível em http://opais.sapo.mz/apiex-defende-aposta-na-certificacao-de-produtos-agrarios.
[2] Naquele ano a BAIPA visitou várias associações
de camponeses de Boane com o fim de divulgar o sistema da propriedade
industrial e consciencializar as pessoas sobre a necessidade e importância de
atribuir nome aos seus produtos e regista-los junto do IPI.
[4] In Jornal A Verdade, edição de 15
de Maio de 2018, disponível em http://www.verdade.co.mz/nacional/65754-mocambique-nao-faz-certificacao-de-produtos-alimentares-para-exportacao-nem-tem-expectativa-do-o-fazer.
[5] A lista exaustiva dos direitos de
propriedade industrial pode ser vista no Artigo 1 do Código da Propriedade
Industrial, aprovado pelo Decreto nº 47/2015, de 31 de Dezembro.
[6] O artigo 5 do Código da Propriedade
Industrial aprovado pelo Decreto Nº 47/2015, de 31 de Dezembro, estabelece que "a administração do sistema da
propriedade industrial compete ao Instituto da Propriedade Industrial".
[7] In: Brochura sobre o Registo da Indicação
Geográfica Cabrito de Tete, IPI, 2018.
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