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O Primeiro Ministro e a Directora Geral do IPI
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No dia 27 de Maio de 2023
o Primeiro Ministro Adriano Maleiane conferiu posse à nova Directora Geral do
Instituto da Propriedade Industrial, IP, Sheila Canda, naquilo que constitui o
iniciar de uma nova etapa daquela instituição. Com efeito, depois de Fernando
dos Santos (2004 – 2012), que lançou
as fundações do IPI e alçou a instituição para assinaláveis níveis de
realizações, e José Joaquim Meque (2013 – 2023), num consulado não bem
conseguido, é agora a vez da primeira mulher a comandar a casa.
No seu discurso o Primeiro
Ministro orientou-a “a apostar no trabalho em equipa, na valorização dos
quadros existentes na instituição e sobretudo que foque a sua actuação na
apresentação de propostas visando reforçar e aprimorar a legislação relativa a
propriedade industrial; aperfeiçoar os mecanismos que agilizam a tramitação e a
resposta aos pedidos de registo de patentes de invenções, desenhos industriais,
marcas, nomes comerciais, denominações de origem, indicações geográficas e
logotipos”.
Como se pode constatar, é
um discurso bastante lacónico, de mera circunstância e propício para o evento
onde foi pronunciado, pois os desafios que esperam à nova timoneira são muito
mais do que o mero aproveitamento de quadros e o aprimoramento da legislação.
Na minha opinião eis
alguns deles:
O enorme e insustentável atraso das decisões relativas as
oposições – este há de ser, muito provavelmente, o pior dos problemas existentes no
IPI. Com efeito, ao longo dos anos os processos de oposição foram se acumulando
no departamento jurídico sem que se notasse alguma acção no sentido da sua
resolução. Em alguns momentos la surgiam algumas acções cosméticas para “dourar
a pílula”, concretizadas na emissão de decisões nos casos mais simples, quais
sejam aqueles nos quais a contra-parte não apresentou a sua contestação, o que
leva a declaração de desistência do pedido de registo. Afora isso, há processos
que “jazem” no departamento jurídico há mais de dez anos, o que é de todo
inaceitável. Até porque, não só as decisões que vierem a ser tomadas podem não
ter o efeito pratico que se desejava, como não ser uteis para nenhuma das
partes envolvidas. Pior ainda, é o facto deste tipo de situações
descredibilizar o sistema de propriedade industrial do país, até porque os
investidores e empresários estrangeiros, e mesmo nacionais, não vão querer
trazer/ registar as suas marcas num sistema que quando necessário não as
protege e prima pela inacção.
A fiabilidade dos resultados de pesquisa – a fase inicial de
qualquer processo é sempre determinante de como as etapas subsequentes irao
decorrer. Não é por acaso que existe o ditado popular que reza que “de pequeno
se torce o pepino”. No caso registo de marcas, a realização de pesquisa de
anterioridade é extremamente importante pois permite aos interessados decidirem
se avançam com o pedido de registo ou não, de acordo com os resultados
disponibilizados pelo IPI. Sucede que várias vezes o IPI fornece resultados que
mais tarde se revelam não serem precisos, o que resulta em recusas de pedidos
feitos com base em resultados que afiançavam não haver marcas idênticas/
similares à pretendida registar. De igual modo, deve-se prestar atenção as
pesquisas de estágio, uma vez que há vários casos em que os detalhes revelados
não correspondem exactamente aos factos, o que induz aos interessados a tomarem
decisões não consentâneas com os objectivos que pretendiam alcançar quando
solicitaram as pesquisas.
A ampliação do espectro do exame de marcas – de ano para ano
assiste-se ao crescimento fenómeno da “usurpação" de
marcas alheias, sobretudo estrangeiras, por empresas/ empresários nacionais.
Surpreendentemente, muitas dessas marcas tem sido concedidas a essas empresas.
Esta situação seria evitada se durante o processo de exame dos pedidos de
registo não se ficasse apenas pela verificação da identidade ou semelhança
entre a marca que se pretende registar e aquelas que se encontram já registadas
no banco de dados do IPI, mas que se verificasse, também, se a marca pretendida
não é já uma marca de prestígio ou notoriamente conhecida, como muitas vezes
acontece. Ou seja, ampliando o espectro do exame, seria fácil detectar que o
requerente pretende registar uma marca internacionalmente (re)conhecida e que
por isso goza de protecção.
Importa trazer a colação a
questão da urgência das pesquisas. O IPI introduziu as pesquisas urgentes com
um custo diferenciado em relação as pesquisas normais. Sucede que várias vezes
o tempo que se leva a disponibilizar os resultados de uma pesquisa urgente é o
mesmo para os resultados das pesquisas normais, o que não faz sentido. Ou seja,
paga-se por um serviço mas recebe outro, o que não é justo. Há que corrigir
esta situação.
A demora do exame substantivo dos pedidos de patentes – este é um procedimento
introduzido pelo Código aprovado em 2015 e que entrou em vigor em Março de
2016. Pelo Código de 2006, após a publicação do pedido de patente, decorria o
prazo de oposição e não havendo nenhuma, a patente era concedida. Não estava
claro que tipo de exame era feito. O actual Código veio alterar essa situação,
agora, “decorrido o prazo indicado no nº 1 do artigo anterior e até ao
máximo de 36 meses a contar da data de depósito do pedido ou, havendo oposição,
quando se mostre finda a discussão, mediante solicitação do requerente e
pagamento da taxa respectiva, o IPI procede ao estudo do processo”. Desde
que o IPI iniciou a implementação desta norma, já submetemos vários pedidos de
exame substantivo, em 2022, mas até ao momento não recebemos os resultados de
nenhum dos processos envolvidos. Esta demora tem consequências drásticas no
processo uma vez que sem os resultados a patente não pode ser concedida, o que
leva a que os inventores fiquem anos a espera da do resultado do seu pedido e,
mais grave ainda, não possam fazer uso da sua patente. Mais uma vez, isto não
só é mau para os inventores que ficam inibidos de explorar as suas invenções e
fazer negócios com elas, como também é mau para o país que se vê privado do uso
da tecnologia trazida pelas patentes bem como pela erosão que tal situação cria
à credibilidade do país no panorama internacional.
A clarificação de alguns procedimentos administrativos – o Código da Propriedade
Industrial não está regulamentado, ou seja, pelo que os interessados em
praticar actos junto do IPI têm encontrado algumas vezes algumas dificuldades
derivadas desse facto. Por seu turno, o IPI também não tem, ou pelo menos não
tornou publico, um guião que elucide aos utentes dos seus serviços sobre a
execução do que está previsto no código. Perante esta lacuna, a solução tem
sido a consulta verbal junto da recepção, sendo que a resposta/ informação
varia de acordo com o colaborador que se encontre disponível. A título de
exemplo, não está claro se o IPI conduz pesquisas de marcas figurativas, qual o
procedimento a transformação de uma patente regional em nacional (ou
vice-versa), entre outros. Em nosso entender, estes e outros casos deveriam ser
objecto de reflexão e terem o devido esclarecimento, por escrito, para que os
interessados possam practicar os actos com a devida segurança e harmonia
jurídica.
A articulação entre a recepção (balcão) e os vários
sectores – não são poucas as vezes nas quais se dá entrada de documentos na recepção,
estes são devidamente protocolados, mas não chegam aos sectores específicos
para os quais eram destinados. E isto os Agentes só se apercebem quando fazem o
seguimento de determinado processo e são informados pelo respectivo sector de
que não receberam nenhum documento referente a tal processo. Isso faz com que
se perca o prazo para a publicação dos actos praticados, ou haja demora na
tramitação dos processos, pois em muitas ocasiões com o “desaparecimento” dos
documentos a solução tem sido de os Agentes providenciarem cópias dos
documentos em falta.
A demora na emissão do BPI digital – o boletim com a
publicação dos vários actos jurídicos relactivos aos direitos de propriedade
industrial é publicado a cada dia 15 de todos os meses em versão impressa e
digital. Sucede que na maior parte dos meses, no dia previsto para a sua
publicação apenas é disponibilizada a versão impressa, sendo que a digital
apenas fica disponível vários dias depois. Este atraso na disponibilização da
versão digital cria sérios problemas, desde logo a contagem dos prazos para
oposição, reclamação, recursos ao tribunal administrativo, entre outros actos.
É que, se os interessados têm acesso ao boletim 3 dias depois do dia previsto,
ficam com menos dias para o cumprimento dos prazos, o que é de todo
prejudicial. Assim sendo, haverá que empreender o esforço necessário para que
as duas versões do boletim estejam disponíveis no mesmo dia, até porque muitos
dos interessados no boletim aderiram à versão digital logo que ela foi
introduzida.
A falta de diálogo entre o IPI e os AOPIs – o consulado
recentemente terminado foi caracterizado pela falta de diálogo entre o IPI e os
AOPIs. Com efeito, foram abolidas as reuniões anuais com os agentes, nas quais
se discutia abertamente assuntos candentes e de suma importância para o
funcionamento do sistema da propriedade industrial no país. Era aí, também,
onde os agentes tinha a oportunidade para identificar problemas, apontar
soluções ou propor formas de aperfeiçoamento dos procedimentos e, diga-se em
abono da verdade, muitas dessas propostas eram acatadas, dependendo da sua
razoabilidade. O que se notou, foi o IPI a fechar-se sobre si mesmo, ignorando
os agentes, tratando-os como competidores/ concorrentes, ou até, em alguns
casos, hostilizando-os. O exemplo mais evidente aconteceu em Novembro de 2022,
aquando da realização em Maputo da 46ª Sessão do Conselho de Administração
da ARIPO e que contou com a participação do Director Geral da OMPI. O IPI não
convidou os agentes para participar na cerimónia de abertura do evento e nem
criou uma oportunidade para que os agentes tivessem um momento de diálogo com
os Directores da ARIPO e da WIPO (refira- se que esta era a primeira vez que os
dois dirigentes estavam em Moçambique). Há que se reverter este quadro, uma vez
que ainda que o IPI seja o responsável pela administração do sistema, os
agentes constituem um dos pilares desse sistema e a colaboração entre o IPI e
os agentes beneficia o próprio sistema.
Voltando aos dois pontos referidos pelo PM, ocorre-me o
seguinte:
Sobre o
aprimoramento da legislação – o Código
actualmente em vigor foi aprovado em 2015. Logo nos primeiros meses da sua implementação
surgiram os primeiros sinais de que havia imprecisões e disposições mal
concebidas que mais do que facilitar ou melhorar o sistema vieram causar mais
dificuldades aos diversos operadores. O exemplo mais elucidativo disto são as
normas referentes a Declaração de Intenção de Uso. O assunto é tao
controvertido que já levou o IPI a emitir dois avisos sobre a matéria, numa
tentativa desesperada de resolver a situação. Debalde. Ainda há muito por ser
lapido nos dispositivos que regulam esta matéria, e outras, de forma a garantir
segurança jurídica aos titulares das marcas.
Importa trazer à colação o facto de aquando da revisão do
Código e em reunião de auscultação publica com a participação de AOPIs, muitas
e valiosas propostas que haviam sido por estes sugeridas foram quase todas rejeitadas,
numa clara manifestação de autoritarismo bacoco por parte de quem liderou o
processo. As consequências estão à vista de quem as queira ver.
Há uma necessidade urgente de se proceder a revisão e actualização
do Regulamento de Agentes Oficiais da Propriedade Industrial,
que data de 1999. Vinte e quatro anos depois, o mesmo está, inequivocamente, desactualizado.
Sobre a valorização dos quadros existentes na
instituição – aqui há pouco a dizer, até porque só quem está do lado de dentro da instituição
pode falar com propriedade sobre a matéria. Ainda assim, é notório que o IPI
carece de técnicos especializados em matéria de propriedade intelectual que
possam, com o devido conhecimento, lidar com os vários assuntos que exigem
perícia por parte daqueles. Haverá assim que encetar acções para a captação e retenção
de técnicos qualificados ao mesmo tempo que se lhes dá acessos aos vários mecanismos
de formação em propriedade intelectual, disponíveis a nível internacional aos
quais podem aceder por via da colaboração que o IPI tem com vários organismos
internacionais.
Estes são, a meu ver,
alguns dos pontos que necessitam de uma intervenção cuidada e urgente – mais
uns do que outros – , evidentemente, e que se abordados com a devida minúcia
podem melhor e muito o funcionamento do sistema nacional da propriedade industrial.