Introdução
Fixe-se o momento que marca o
ponto de viragem na actuação da INAE. A 18 de Julho de 2016 o Governo procedeu
a uma remodelação na direcção desta instituição, exonerando o então Inspector
Nacional, José Rodolfo, e nomeando para o seu lugar Maria Rita e, pela primeira
vez, um Inspector Nacional Adjunto, no caso Acácio Foia. De imediato, a acção
da instituição transfigurou-se. De uma pálida actuação, só publicamente notável
nas épocas da quadra festiva de Dezembro para a fiscalização dos preços e
validade dos produtos comercializados, passou a ser uma presença constante nos
meios de comunicação social e nas redes sociais, graças à sua actuação
contundente e implacável. Os efeitos fizeram-se sentir primeiro, no sector da
panificação, a seguir, no da restauração e, mais recentemente, no das fábricas
de bebidas.
No último caso, a 5 de Abril do
corrente ano foi anunciado que a INAE apreendeu na CDM cerca de 46 mil caixas
para acondicionar garrafas de cerveja, por violação dos direitos de propriedade
de terceiros. Mas antes de analisarmos este procedimento, importa esclarecer, à
quem possa interessar, o que é a INAE.
INAE é o acrónimo de Inpecção
Nacional das Actividades Económicas. Foi criada pelo Decreto nº 46/2009, de 19
de Agosto. Trata-se de uma "instituição pública de âmbito nacional e é
tutela pelo Ministro que superintende as áreas da Indústria e Comércio",
como estabelece o artigo 3º do decreto em causa. Tem como objectivo a fiscalização
das actividades económicas no pais. As suas atribuições encontram-se
estabelecidas no artigo 4º do decreto acima mencionado, de entre as quais
avultam a fiscalização de todos os locais onde se exerce qualquer actividade
industrial, comercial ou de prestação de serviços; a promoção de acções de
natureza preventiva em matéria de infracções contra a qualidade, genuinidade,
composição, aditivos alimentares e outras substâncias e de rotulagem dos géneros
alimentícios para consumo humano e dos alimentos para animais.
No que diz respeito a propriedade industrial,
que é aquilo que nos interessa neste momento, compete a INAE combater a produção
e venda de produtos pirateados ou contrafeitos, como prescreve a alínea i) do
artigo 4º do dispositivo legal acima referido.
Adicionalmente, o Código da Propriedade
Industrial (de ora em diante CPI), aprovado pelo decreto nº 47/2015, de 31 de
Dezembro, estabelece no seu artigo 222º, nº 1, que "compete a INAE, em articulação
com o Instituto da Propriedade Industrial (doravante IPI), a averiguação das
infracções contra os direitos de propriedade industrial". O artigo
223º esclarece que a averiguação das infracções pode ser por iniciativa do INAE,
do IPI ou por denúncia dos interessados.
Voltemos ao caso das caixas apreendidas.
O problema
Para acondicionar as suas garrafas, a CDM usa
caixas fornecidas pela Arkay e, também, pela Topack, ambas empresas moçambicanas.
Sucede que o desenho das caixas fornecidas pela Arkay é, segundo a INAE, uma cópia/
imitação do desenho das caixas concebido e fabricado pela Topack. Pelas informações
tornadas públicas pelos meios de comunicacao social não fica claro de quem foi
a iniciativa da averiguação da infracção, se do INAE, do IPI ou da empresa
ofendida, no caso a Topack. Mas por agora isso é de somenos importância.
Importa esclarecer que em
termos técnicos, o desenho em causa chama-se Desenho Industrial, e é uma das
modalidades dos direitos de propriedade industrial. Com efeito, nos termos do
artigo 1º, alínea d), "desenho industrial é qualquer conjunto de linhas, cores ou
forma em três dimensões que dê um aspecto visual novo e original a um produto,
ou parte do mesmo, e que possa servir de protótipo para a sua fabricação
industrial ou artesanal".
Uma vez registado junto do
IPI, o titular do desenho industrial tem o direito de uso exclusivo do mesmo e,
por conseguinte, de impedir que terceiros o usem sem a sua expressa autorização,
nos termos do artigo 119º do CPI.
Das infracções
Ao fabricar e vender caixas
para acondicionar garrafas usando o desenho industrial titulado pela Topack Moçambique - Indústria de Plásticos, Sarl (Desenho Industrial nº 48/2002 L, registado a 22 de Agosto de 2002) a
Arkai violou os direitos de propriedade industrial daquela. Concretizando: a
Arkay Plastics Mozambique, Lda incorreu na prática da concorrência desleal e na violação dos direitos
exclusivos do desenho industrial, ambos previstos no artigo 212º, alíneas a) e
c), do CPI.
Concorrência desleal é a prática
de actos contrários aos bons usos e costumes da actividade industrial,
comercial ou de serviços. No caso sub judice, a concorrência desleal
consubstanciou-se nas acções previstas nos artigos c) e f) do artigo 213 do CPI:
ü "praticar actos susceptíveis
de criar confusão, de qualquer modo, com o estabelecimento, produtos, serviços
ou actividades industriais ou comerciais de um concorrente";
ü "induzir o publico em
erro sobre a natureza, a qualidade, o modo de fabrico, as características e a
utilização dos produtos e serviços no exercício da actividade comercial" -
Outrossim, a
Arkai violou os direitos do desenho industrial da Topack ao praticar as
seguintes acções previstas nas alíneas a) e b) do artigo 215º do CPI:
ü
"Utilizar, reproduzir ou imitar,
total ou parcialmente, desenhos industriais sem a autorização do respectivo
titular";
ü
"Colocar a venda ou em circulação
um desenho industrial registado, sem o consentimento do respectivo titular".
Ora, ao colocar
a venda produtos acondicionados em caixas que violam o desenho industrial de
terceiros, a CDM colocou-se, também, na posição de infractor nos mesmos moldes
que a sua fornecedora Arkai. Por conseguinte, ela incorreu, de igual modo, nas
infracções acima descritas e deve ser sancionada em conformidade.
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Caixas usadas pela CDM. Imagem retirada de https://www.google.co.mz/ |
Da punição
Quanto aos infractores, a INAE
anunciou que vai punir a CDM com uma multa equivalente a 112 salários mínimos.
Sobre esta punição é preciso deixar ficar o seguinte reparo. O anúncio publico
da INAE é omisso quanto a Arkai. Na nossa modesta opinião, ela deveria ser
sancionada pois ela incorre nas infracções contra os direitos de propriedade
industrial acima mencionadas.
No que tange as sanções em si, a INAE
vai punir o infractor apenas pela violação dos direitos do desenho industrial,
deixando passar a prática da concorrência desleal. É nosso entendimento que os
infractores praticaram actos que consubstanciam a infracção de concorrência
desleal, como ficou demonstrado acima. Ora, nos termos do nº 4 do artigo 213º
do CPI, a concorrência desleal deve ser punida com a multa de 224 salários mínimos.
Ou seja, cumulativamente, os infractores deveriam ser condenados a pagar a
multa de 336 salários mínimos, cada, sendo 112 pela violação dos direitos do
desenho industrial e 224 pela prática da concorrência desleal.
Conclusão
Com todas as imperfeições e mal
entendidos acima pontuados, esta acção da INAE deve ser saudada porque por um
lado, pune uma violação dos direitos de propriedade industrial, coisa rara no
país e, por outro, serve de aviso a potenciais prevaricadores para se absterem
da pratica de tais actos.
Entanto que profissionais da
propriedade industrial, esperamos que a INAE tome medidas urgentes no sentido
de resolver os casos que a ela foram submetidos para averiguar sobre casos de
contrafaccao e outras infraccoes contra os direitos de propriedade industrial e
que se encontram sem desfecho há bastante tempo. Esperamos, outrossim, que
quando accionada sobre casos similares aja com a devida celeridade, para a
salvaguarda dos interesses dos titulares dos direitos dos propriedade
industrial, dos consumidores e da economia nacional.
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